sexta-feira, 27 de julho de 2007

Sobre desejos e devaneios de ave

As coisas têm mais convicção dos seus desejos que os desejos têm a convicção das pessoas
Pessoas partilham com as aves devaneios de tardes de outonos azuis e damas da noite começando a dar cheiro
Desejos não são coisas que se deixam pegar de números ou de prazos ou de métodos
Desejos não são coisas do tipo quantificáveis.

É possível que um desejo seja o devaneio de mãos entrelaçando cabelos noites adentro
É possível que devaneio seja a voz de uma mulher que pega emprestada a sonoridade de uma ave
É possível que a falta de convicção seja o desejo de ser ave.

E talvez, das coisas e pessoas tão entendidas de aves, esse querer tenha se perdido em noites quentes de inverno acompanhadas de toalhas de hotel.
A falta de pegar na voz de uma ave cause desânimos matutinos e desculpas de café da manhã.

Talvez a convicção seja a certeza de acordar e dormir sem mãos entrelaçando o cabelo
(ou sem aves)
Talvez o querer seja um querer tão intenso e arrebatador que ele já se perdeu dele mesmo
(não sabe onde começa ou onde termina)

Porque o querer da voz e das mãos é o mesmo
E pode ser que o devaneio seja o de sempre: o querer tão intensamente a alguém e ser desejado em retribuição.

É possível que as linhas não dêem uma tese, mas quem sabe façam acordar de manhã...
(porque eu só queria o querer)

Do que sei de devaneio, é o que sempre desejei.
E você, que sabe pegar em voz de ave, qual o seu maior desejo?...

(Para apanhadores de voz, voz de ave, voz de mulher-ave, voz de mulher que não sabe querer e só quer ser ave.
Para quem quer querer, ou não sabe querer)

domingo, 1 de julho de 2007

memória

    Amar o perdido
    deixa confundido
    este coração.

    Nada pode o olvido
    contra o sem sentido
    apelo do Não.

    As coisas tangíveis
    tornam-se insensíveis
    à palma da mão

    Mas as coisas findas
    muito mais que lindas,
    essas ficarão.

    (Carlos Drummond de Andrade)


Tenho essa mania, um velho hábito, de amar as coisas perdidas.
Sofro dos dilemas insolucionáveis, de pessoas imutáveis, amores incuráveis...
Mas é também um sofrer passivo, consensuoso.
Um sofrer de querer, um querer sofrer... Um certo prazer na dor.
A extensão do prazer no não finalizar das coisas.
O prolongado da dor no saber das nãos correspondências.
A expectativa de um dia haver a correspondência,
E o insandecer no esperar...
Esperar que a dor tenha fim
Que a espera tenha fim
Que no fim é a espera da própria espera...